Portugal nos Sistemas Internacionais - Academia Militar - 14 de Maio de 2008
(com José Carlos Antas)
1-Introdução
Portugal, integrado num espaço político composto por 27 países e mais de 450 milhões de cidadãos, torna-se inevitavelmente um actor global. As mudanças ocorridas no sistema internacional, com o fim da Guerra-fria e do paradigma bipolar, trouxeram novos desafios aos Estados, aos quais se exige agora que desenvolvam esforços com vista a serem produtores de segurança. Passos importantes têm sido dados com vista ao desenvolvimento de uma Política Europeia de Segurança e Defesa (PESD) una e coesa. No entanto, a proliferação de conflitos entre Estados, ou no interior destes, multiplica os factores de instabilidade e exige novas respostas.
Portugal, que já não intervinha em cenários de conflito, no espaço europeu, desde a primeira Guerra Mundial, é forçado pela conjuntura a alterar o seu tradicional paradigma de defesa, atlântico e africanista. Este foi substituído por um novo modelo, baseado na política de intervenção global, legitimada pelo conjunto de valores de os países mais desenvolvidos tentam fazer proliferar: o respeito pelos direitos humanos e pelas minorias, pela democracia e pelo Estado de Direito e a liberalização dos mercados. Portugal passa a enviar contingentes significativos para cenários de crise, primeiro integrados em missões da Organização das Nações Unidas (ONU), depois no âmbito da Organização do Tratado Atlântico Norte (NATO) e agora também nas missões autónomas da União Europeia (UE) UE.
O envolvimento nacional nas Missões de Paz é sinónimo de reconhecimento e visibilidade internacional. Neste trabalho, será apresentada uma perspectiva sobre alguns momentos chave do processo político português, quanto à política internacional de intervenção em cenários de conflito. Para adequar a exposição ao tema proposto, “Portugal e as Missões de Paz – 1996-2008”, será fornecido um enquadramento teórico das evoluções políticas que levaram a que, em 1996, Portugal alterasse as suas políticas de intervenção militar em território europeu. Por último será apresentada uma pequena abordagem, não exaustiva, às principais missões levadas a cabo pelas Forças Armadas no âmbito das operações internacionais de imposição e manutenção de paz.
2-Portugal nas missões internacionais de Paz
Portugal começou a sua colaboração nas missões internacionais de paz no início dos conflitos na ex-Jugoslávia, quando, em 1991, foi enviada para a região uma missão de observadores internacionais, a European Communities Monitoring Mission for Yugoslavia (ECMM-YU). Esta missão consistia em verificar o cumprimento do cessar-fogo, acordado entre a Eslovénia e a República Federal da Jugoslávia. Nesse mesmo ano, a missão seria alargada à Croácia e à Bósnia-Herzegovina, com a escalada de violência nestas repúblicas. A limitada colaboração inicial portuguesa era um reflexo da tradicional postura nacional de neutralidade.
Quando assumiu a Presidência da Comunidade Europeia, em Janeiro de 1992, Portugal alterou a hierarquia de valores, no sentido de adoptar uma posição mais forte e coerente nos assuntos políticos e de defesa europeia, sobretudo face à violência que ameaçava a estabilidade do continente. O país assumiu a chefia da missão de monitores europeus, tendo desempenhado um papel importante, aos níveis diplomático e operacional. Foram enviados para o terreno cerca de 50 civis e militares, que se juntaram aos seis monitores portugueses que tinham chegado em 1991.
As Missões Humanitárias e de Paz foram também objecto de análise na Agenda Para a Paz, em Junho de 1992, pelo então Secretário-Geral das Nações Unidas, Boutros-Ghali, onde se reflecte sobre as questões do desarmamento, da aplicação de sanções e da coordenação entre as Nações Unidas e os organismos regionais.
Tradicionalmente, o conceito de missão de paz englobava as operações sob o Capítulo VI da Carta e as realizadas sob os auspícios da OSCE, com base no Documento de Helsínquia de 1992. O alargamento deste conceito ao Capitulo VII da Carta passou a envolver directamente Organizações como a NATO, a UEO, a OSCE e a UE. As Nações Unidas assumem, com este documento, que não dispõem de capacidade para assegurar o monopólio dos instrumentos de coacção, abrindo o caminho à intervenção das Organizações Regionais de Segurança.
Também na Ajuda Humanitária, foi relevante o envolvimento das Forças Armadas Portuguesas. O empenhamento nacional surge em consonância com a Resolução 46/182 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de Abril de 1992, na qual se protagoniza a criação de um Departamento de Assuntos Humanitários, que está na origem do projecto Military and Civil Defence Assets.
Em 1994, a alteração do Conceito Estratégico Nacional revela uma nova preocupação com a adaptação das Forças Armadas nacionais aos parâmetros técnicos e operacionais das restantes forças aliadas, como elemento essencial para a satisfação dos compromissos assumidos por Portugal no seio dessas alianças. É então assumido o compromisso de participar na missão internacional para a ex-Jugoslávia com um contingente militar significativo.
Em Janeiro de 1995, no Suplemento da Agenda para a Paz, o Secretário-geral das NU, Boutrous-Ghali numa análise aos fracassos de algumas das missões do pós Guerra-fria (Angola, Somália, Ruanda, Bósnia), afirma a necessidade dos Estados tomarem “decisões difíceis” na tentativa de resolução das crises, porque "este novo mundo é um mundo ainda mal compreendido". O surgimento de novos problemas resultantes de questões étnicas, religiosas e económicas, levou à implementação de novas formas de actuação, com maior envolvimento civil, novas preocupações com a segurança dos militares e com a coordenação entre as acções humanitárias e as missões militares.
3-Mudanças no paradigma de defesa português
Desde a 1ª Guerra Mundial que Portugal havia adoptado uma política de neutralidade face a conflitos em território europeu, no contexto do respeito pela soberania dos Estados. As prioridades do paradigma nacional de defesa residiam, sobretudo, na manutenção das relações transatlânticas e no fortalecimento dos laços com os PALOP. Com o fim da Guerra-fria e as consequentes alterações sofridas na conjuntura internacional, subsequentes ao fim do sistema bipolar, surgiu uma nova era de conflitualidade, com novas ameaças que exigiram novos meios de resposta, por parte dos Estados.
O Conselho de Segurança das Nações Unidas começou a desempenhar um papel mais activo da regulação da ordem internacional, passando a aprovar Resoluções que justificavam e legalizavam as suas intervenções militares de imposição e manutenção da paz. Com esta alteração, os militares “refizeram a sua doutrina, organização e instrução para se adaptarem a uma utilização da força militar naquilo que alguma terminologia designou por operações que não a guerra”[1].
O facto de Portugal não ter entrado na Guerra do Golfo fez com que deixasse de ter acesso às informações dos serviços secretos dos seus aliados. Para contornar esta situação, foi assumida, pelo poder político, uma necessidade de partilha dos custos da segurança internacional. Só a partir do momento em que Portugal assumisse esse compromisso seria possível retirar benefícios, tanto políticos e económicos, como diplomáticos e militares.
A partir de Janeiro de 1992, quando assumiu a Presidência das Comunidades Europeias Portugal teve que adoptar uma posição diferente, em termos de defesa europeia, acima de tudo por causa da situação na ex-Jugoslávia, que representava uma séria ameaça à estabilidade dos países comunitários. Em 1994, o Governo do PSD (MDN Figueiredo Lopes), tinha dado sinal aos parceiros comunitários de que Portugal estava disposto a participar, em nome da solidariedade internacional, sobretudo europeia, na missão. Para esse efeito, deu instruções no sentido de preparar uma força militar para a eventualidade de uma participação.
Em 1995, o recém-eleito Governo do PS tomou uma decisão no mesmo sentido. Quando a NATO constituiu a IFOR, as tropas portuguesas estavam prontas para ir para o terreno, apesar de a IFOR não ser uma operação de paz tradicional, visto que pretendia impor a paz, com legitimidade para o uso da força.
Em Janeiro de 1996, com a missão de ocupar o Sector de Goradze, um enclave muçulmano foi enviado um contingente de mais de novecentos elementos, composto por 687 elementos do 2º Batalhão de Infantaria Aerotransportada (2º BIAT/BAI) e por 225 elementos do Destacamento de Apoio e Serviços, todos eles voluntários em regime de RV/RC. O prestígio adquirido pelas forças destacadas foi significativo, devido ao desempenho positivo que os militares demonstraram na concretização das tarefas operacionais.
A operação IFOR representou também uma nova fase na vida da Aliança, visto que testou a sua capacidade para enfrentar situações fora da defesa do território dos aliados. A decisão de participação portuguesa na IFOR marcou efectivamente uma mudança profunda na política de defesa portuguesa em relação ao contexto europeu, pelo abandono da política de neutralidade e não intervenção e adopção de uma posição activa e interveniente na defesa da paz no espaço europeu. O governo português apresentou três motivos fundamentais para defender a decisão:
• Necessidade de manter a credibilidade de Portugal como parceiro no projecto europeu perante os compromissos assumidos no seio da NATO e da União Europeia, no âmbito da PESD.
• A solidariedade para com as vítimas do conflito na ex-Jugoslávia.
• A defesa do interesse nacional.
Este último motivo demonstra a mudança de paradigma, ou seja: o interesse nacional deixa de se limitar às fronteiras nacionais e passa a contemplar o projecto europeu e a estabilidade no continente. Isto representou a incorporação da Europa e da estabilidade nas suas fronteiras no interesse nacional português.
Em termos de política externa portuguesa, esta participação activa nas operações de paz multinacionais veio marcar um redireccionamento das opções estratégicas portuguesas. Mas também aumentou o poder negocial de Portugal, que passa a ser um parceiro activo e com voz dentro da NATO. Essa voz permitiu uma melhor posição de partida, perante os aliados, para lidar com a questão timorense.
A participação nas missões de paz das Nações Unidas, da NATO e da União Europeia consolidou o estatuto de Portugal como Estado produtor de segurança internacional, o que reforçou a credibilidade externa do país. A necessidade de ter meios adequados às missões levou também à necessária transformação da Defesa, no contexto das políticas de coordenação internacional de meios. Quanto à escolha dos teatros de operações para os quais Portugal tem enviado tropas, têm sido diversas as opções políticas.
Esta frase, do então Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Diogo Freitas do Amaral, mostra que a discussão sobre o equilíbrio entre qualidade e quantidade das participações tem sido constante ao longo do processo político de decisão:
“Não podendo responder a todas as solicitações, ensina a prática que é preferível concentrar os recursos em poucas forças mais volumosas, em vez de querer mostrar a bandeira em toda a parte mediante minúsculos contingentes ou até participações individuais. Há quem contra argumente com o significado político de estar aqui e ali, mesmo só com um homem, demonstrando a nossa solidariedade e contando para a estatística; só que isso tem um preço demasiado alto face aos resultados alcançados. Em geral ninguém reconhece o esforço e a nossa presença é frequentemente ignorada”[2].
O sucesso da SFOR no cumprimento do seu mandato e a evolução registada na Bósnia conduziram a reestruturações da força em 1999 e 2003, mantendo-se a presença portuguesa, embora a sua missão fosse sendo sucessivamente alterada. Quando, em 1999, a Sérvia retirou as suas forças do Kosovo, foi constituída a missão militar da NATO no Kosovo, a KFOR (Kosovo Force). Esta missão, cuja legitimidade se contestava por ser uma clara interferência na soberania da Sérvia, representava, de certa forma, uma cedência da Europa aos EUA.
O envio de tropas nacionais para o Kosovo gerou manifestações de protesto e acesos debates na Assembleia da República e nos meios de comunicação. Este cenário de desaprovação condicionou a actuação do Governo, que legitimou a intervenção com base na necessidade do cumprimento dos compromissos assumidos junto dos parceiros europeus e da Aliança Atlântica.
A revisão de 1997 aditou ao Artigo 275º Constituição o Nº 5, onde se pode ler: “Incumbe às Forças Armadas, nos termos da lei, satisfazer os compromissos internacionais do Estado Português no âmbito militar e participar em missões humanitárias e de paz assumidas pelas organizações internacionais de que Portugal faça parte”. Esta alteração constitucional foi um instrumento para a legitimação de intervenções das Forças Armadas, numa grande variedade de missões e nas mais diversas regiões do globo, com objectivos e meios muito distintos.
4-Principais teatros de operações
As missões em curso, ou desempenhadas recentemente têm envolvido os três ramos das Forças Armadas Portuguesas. Os portugueses têm contribuído com unidades navais, terrestres e aéreas, além de observadores militares e membros dos estados-maiores dos comandos multinacionais. No processo de decisão política, sobre a decisão de enviar, ou não, tropas para um ou outro teatro de operações, compete ao Governo e ao Presidente da República articular uma decisão, após uma consulta ao Conselho Superior de Defesa Nacional, que emite um parecer sobre a matéria. À Assembleia da República compete acompanhar o desenvolvimento das missões.
Sem fornecer uma classificação exaustiva de todos os cenários de conflito com forças de estabilização portuguesas, importa enunciar alguns dos principais teatros de operações nos quais os militares nacionais participaram ou participam:
Balcãs
O envolvimento português no cenário do conflito nos Balcãs decorre num contexto de apoio à estabilização e aproximação dos povos, com vista ao estabelecimento de uma Europa geográfica e política assente na partilha dos valores comuns da liberdade, progresso, democracia e estado de direito. A participação de Portugal começou em 1994, na UNPROFOR, e desde aí que o país mantém uma política de empenhamento numa paz duradoura para a região. As missões têm sido baseadas nas parcerias entre a NATO e a ONU e Portugal tem garantido, desde o início, a presença de militares no terreno.
· Bósnia Herzegovina
IFOR/SFOR/EUFOR 1995 – 2008
EUPM – Missão de Polícia da UE 2003-2005
Esta é, no âmbito da União Europeia, a operação militar mais importante, seja quanto aos objectivos políticos e à quantidade de recursos envolvidos, ou ao significado político nas relações entre a NATO e a UE. O principal objectivo da missão foi prevenir o regresso da violência inter-étnica. Portugal foi um dos primeiros países a enviar forças para o terreno, tendo assumido um papel de destaque na estabilização do enclave de Gorazde, tal como na manutenção da segurança do corredor humanitário, que liga esta cidade ao restante território da Federação Croato-muçulmana da Bósnia-Herzegovina.
A última rendição do contingente nacional, sediado em Doboj, ocorreu em Julho de 2006. Em Março de 2007, após 11 anos de presença na Bósnia-Herzegovina, as Forças Nacionais Destacadas voltaram para casa. O Quartel-general da EUFOR, em Sarajevo, conta actualmente[3] com a presença de 14 observadores militares portugueses, no âmbito da missão da UE, destacados nas localidades de Modrica e em Derventa.
· Kosovo
KFOR/UNMIK 1999-2008
No âmbito da UNMIK, a missão das Nações Unidas para o Kosovo, Portugal tem no terreno dois observadores militares. Envolvidos na KFOR, missão da NATO, estão 296 elementos do 2ºBat. Infantaria. O Exército Português esteve representado por unidades de escalão batalhão nas operações terrestres da NATO, entre 1999 e 2001, tendo regressado ao território em 2005.
Timor
UNTAET/UNMISET 2002-2005
Após 20 anos de esforços diplomáticos portugueses, aliados à resistência do povo timorense, foi possível realizar, sob monitorização da ONU, um referendo que pôs fim à ocupação indonésia. Desde 1999 que Portugal é um dos principais contribuintes no apoio às missões das Nações Unidas em Timor, primeiro na fase da administração transitória e depois na consolidação do ainda instável clima de paz e segurança.
Nos termos da resolução 1272 de 25 de Outubro de 1999 do Conselho de Segurança, a UNTAET mantém a responsabilidade completa pela administração de Timor-Leste com poderes para exercer toda a autoridade legislativa e executiva, incluindo a administração da justiça. O seu mandato inclui a garantia de segurança c manutenção da lei e ordem em todo o território, estabelecer uma administração efectiva e apoiar o desenvolvimento dos serviços civis e sociais. Portugal mantém em Timor quatro observadores militares
Afeganistão
ISAF 2002-2008
A União Europeia tem desempenhado um papel essencial na reconstrução do Afeganistão. A Comissão Europeia lançou um programa de assistência ao desenvolvimento concentrado em três domínios prioritários: a reforma do sector judiciário e da polícia, da saúde da agricultura. A Missão de Polícia da União Europeia no Afeganistão (EUPOL Afeganistão) contribui para a criação, sob gestão afegã, de dispositivos de manutenção da ordem pública.
A presença de militares portugueses no Afeganistão, no contexto da Força Internacional de Assistência e Segurança (ISAF) da NATO, tem rondado as duas centenas. Em Março de 2008, a força contava com um contingente de 167 elementos. Os Comandos e Pára-quedistas portugueses integram uma força de reacção rápida da ISAF. Esta Força Nacional Destacada, aquartelada em Cabul, esteve envolvida em operações nas zonas de Kandahar, Farah, Herat e Cabul.
Líbano
UNIFIL 2006-2008
A guerra desencadeada por Israel contra o Hamas, em território libanês, originou uma onda de censura internacional, que levou o Estado hebraico a aceitar uma missão de paz da ONU. O dispositivo militar português no Líbano, enquadrado na UNIFIL (missão das Nações Unidas), iniciou as suas operações no terreno em 26 de Novembro de 2007. Esta unidade de Engenharia está sedeada no sudoeste do país, contando com 141 militares, cuja missão tinha o seu término previsto para Maio de 2008.
Iraque
UNAMI - Missão de Assistência das Nações Unidas no Iraque
EUJUST LEX - Missão de Estado de Direito para o Iraque
A deposição do regime autoritário no Iraque, numa guerra não autorizada pela ONU, levantou novas dúvidas quanto à eficácia da Organização Internacional na gestão do sistema internacional. Apesar disso, um contingente da Guarda Nacional Republicana (GNR), chegou ao Iraque a 13 de Novembro de 2003. A equipa de 128 membros foi, posteriormente, integrada no comando italiano.
A Comissão Europeia é também um dos maiores contribuintes internacionais para a reconstrução do Iraque. O plano de ajudas da Comissão, no valor de 90 milhões de euros em 2007, visa apoiar o sector da energia, o processo político, a reforma da gestão das finanças públicas e a assistência humanitária aos iraquianos refugiados na Síria e na Jordânia. A Comissão contribuiu igualmente para o reforço do sistema do Estado de direito no Iraque através da missão EUJUST LEX.
África
· Angola e Moçambique
ONUMOZ/UNAVEM/MONUA 1995-1999
Os laços históricos que ligam Portugal a África, em conjunto com a necessidade de encontrar soluções duradouras para os conflitos pós-descolonização, motivaram o esforço nacional no apoio à paz e desenvolvimento da África lusófona. Enquadradas pelo tradicional paradigma português de intervenção externa, a contribuição com meios para as missões de Angola e Moçambique, países africanos de expressão portuguesa, representou o primeiro passo de Portugal na participação em missões de paz, posicionando-se, daí em diante, como um dos principais contribuintes para a realização de missões de apoio à paz na África Austral.
• Chade/República Centro Africana
EUFOR TCHAD/RCA
O contingente português da Força Aérea Portuguesa em N`Djamena, no Chade, era constituído por um Hércules C-130 e respectiva tripulação e por uma equipa de apoio de terra, num total de 30 militares. Este destacamento constitui a força de apoio logístico às operações da missão das Nações Unidas (MINURCAT), na região. A missão foi lançada durante a última Presidência Portuguesa da União Europeia, no âmbito da PESD.
A força europeia no leste do Chade e no nordeste da República Centro Africana, destina-se a promover a segurança na região, bem como a distribuição de ajuda humanitária e a protecção de refugiados e do pessoal, instalações e equipamentos das Nações Unidas. O destacamento militar Português no Chade iniciou a sua participação na EUFOR TCHAD/RCA a 15 de Março de 2008, numa missão com duração de dois meses.
5-Outros teatros
Não abordámos nestas linhas outros teatros, onde a presença portuguesa em missões de paz se fez notar. Não podíamos, no entanto, deixar de fazer referência, por exemplo, à operação humanitária na antiga colónia espanhola do Sara Ocidental, onde as tropas portuguesas participaram na MINURSO, ou as inúmeras missões de apoio à polícia, como no Congo, com a presença de dois assessores militares na EUSEC– EUPOL KINSHASA. Também na Antiga República Jugoslava da Macedónia, onde surgiram conflitos étnicos com a minoria albanesa, os portugueses se dedicaram às missões de polícia denominadas PROXIMA e Concórdia.
É de salientar também a grande participação da Marinha nas missões humanitárias e de apoio à paz com envolvimento português. Em 1992, durante a operação de embargo à antiga Jugoslávia, marinheiros portugueses participaram na operação do Adriático, no âmbito do ataque da NATO, tendo esta participação sido prolongada até 1996.
Em 1998, na Guiné-Bissau, uma Força de Reacção Imediata dos Fuzileiros, efectuou uma operação de evacuação de mais de mil cidadãos, nacionais e de países aliados, em Unidades Navais, devido à crise político-militar ocorrida nesse ano. As fragatas nacionais têm participado regularmente nas operações da NATO levadas a cabo no Mediterrâneo, desde 2001, pela força naval permanente. Em 2006, uma fragata da Marinha participou em operações de prevenção e combate ao terrorismo internacional, nos mares Báltico e Mediterrâneo.
Os aviões Hércules C-130 da Força Aérea também têm participado nas missões de paz, tanto em voos de sustentação e rendição de militares, como nas operações humanitárias. No âmbito das medidas tomadas pela NATO para reforçar a segurança na região do estreito de Gibraltar, uma aeronave P-3P Orion participa nas operações de vigilância marítima a partir do território nacional. A Marinha mantém em prontidão, à disposição da Aliança, uma corveta para ser empregue nesta região.
6-Conclusões
A defesa do território nacional deixou de ser a missão exclusiva das Forças Armadas. A Instituição militar deixou de ser unicamente uma ferramenta de guerra, para se transformar num instrumento da política externa, ao serviço de um código de valores transnacional. Esta transformação foi proporcionada pela participação nas missões internacionais de implementação e manutenção de paz: as Forças Armadas passaram a estar no exterior do país sem o envolvimento numa guerra.
A participação nas missões de paz das Nações Unidas, da Aliança Atlântica e da União Europeia consolidou a credibilidade externa do país e o estatuto de Portugal como um Estado produtor de segurança internacional. Permitiu também uma reformulação dos objectivos e capacidades operacionais das FA portuguesas.
Os militares portugueses deixaram uma marca característica nas missões de paz, através da capacidade para criar relações de proximidade com as populações locais. Esta capacidade representa uma vantagem comparativa, reconhecida aos militares portugueses, tanto pelos seus parceiros operacionais como pelas próprias populações visadas.
Os casos de insucesso das missões de paz das NU fizeram esta Organização delegar nas Organizações regionais competências de representação nos cenários de conflito. A política de envolvimento activo nas operações de implementação e manutenção de paz, tem contribuído para a manutenção da paz e segurança internacionais.
Este envolvimento, ao mesmo tempo que aumentou a influência e visibilidade no seio da ONU, da NATO e da UE, o que é de extrema relevância para um país com a dimensão de Portugal. Conferiu também legitimidade acrescida para solicitar o envolvimento dos aliados em teatros operacionais relevantes para os desígnios nacionais (Timor Leste e PALOP’s).
Em regra, a posição de Portugal perante os seus parceiros da Aliança Atlântica, tem sido de disponibilidade para as missões para as quais foi solicitado ou teve a iniciativa departicipar, dentro das capacidades disponíveis e com um entusiasmo nacional umas vezes mais efusivo que outras.
7-Bibliografia
AMARAL, D. Freitas: intervenção na Conferência Internacional “Portugal e as Missões de Paz”, Assembleia da República, 2005
ARSÉNIO, José M: “O sobrevento Jugoslavo”
Prime Books, Lisboa, 2007
BONIFACE, Pascal (direcção): “Atlas das Relações Internacionais”, Paralelo Editora, 1999
GRESH, Alain (direcção): “Atlas da globalização” Lisboa, Campo da Comunicação, 2003
LOPES, A. Figueiredo (dir.): “Conclusões da mesa redonda promovida pela EuroDefense-Portugal: Cooperação Estruturada na PESD – Um novo instrumento de parceria?”, EuroDefense-Portugal, Lisboa, 2006
LUCAS PIRES, Francisco: “Europa”, Difusão cultural, Lisboa, 1992
MEDEIROS FERREIRA, José: “A nova era europeia, de Genebra a Amesterdão” Editorial Notícias, 1999
MACHADO, Miguel S. (MAJ): “Missões de Paz”, artigo publicado na Revista “Boina Verde”, Dezembro 1992
Fontes on-line:
Anuário de Relações Exteriores da Universidade Autónoma de Lisboa:
Conselho da Europa:
Centro de informação Europeia Jacques Delors:
Conselho da União Europeia
Legislação Europeia
Instituto Português de Relações Internacionais – Universidade Nova de Lisboa
Ministério da Defesa Nacional:
Organização do Tratado Atlântico Norte:
Portal da União Europeia:
Revista Militar